segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Capítulo 13 - A Forja e a Manopla

   O coração de Sven pulou no peito quando a multidão gritou. A chuva fina e gelada tamborilava em seu elmo.
   Seu oponente avançou pesadamente. Aquilo era bom; ninguém aguentava o peso de uma armadura da mesma forma que um anão. Sven também avançava, mas parecia que suas pernas eram de manteiga e que estava pisando em nuvens. "Controle-se, Sven! Não é hora de ficar nervoso!".
   Pararam a três metros um do outro. Sven não conseguia ver o rosto de seu oponente, apenas a careta do demônio em seu elmo negro. O tal Ronnet ergueu o mangual, em desafio... e começou a entoar um cântico baixo e febril na língua Garmûni. "Começou".

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   O anão não perdeu tempo. Ergueu a mão esquerda e começou a sua própria oração, na língua de seu povo. Pediu a Moradin que emprestasse sua arma para derrotar os inimigos de sua fé, e o Deus ouviu: uma luz flamejante brilhou e formou uma cópia idêntica do martelo de guerra na mão oposta. Os espectadores prenderam a respiração, excitados.
   Mas Ronnet parecia não estar de brincadeira. Sua própria oração incendiara a corrente e a bola de ferro de sua arma com um fluxo de chamas escuras que faziam a chuva ao redor se levantar em nuvens de vapor. Rodando o mangual num turbilhão vermelho, o cavaleiro negro avançou contra ele.
   Sven finalizou seu encanto, arremessando o martelo de energia laranja contra seu inimigo. A arma espiritual disparou na direção de Ronnet, tomada por uma força invisível; o cavaleiro girou sua própria arma e rebateu o martelo para longe, numa explosão de fagulhas e calor. A plateia exclamou.
   O anão se aproveitou daquele segundo de distração para agir. Ele sabia que aquelas chamas no mangual seriam um problema sério: sua armadura poderia aguentar aço, mas fogo mágico poderia reduzi-lo a cinzas e ferro derretido em instantes. Assim, levantou a mão esquerda e apontou para o mangual; canalizando toda a sua energia, bradou, na língua Comum:
    - Eu sou um servo de Moradin, o Forjador de Almas! Seu fogo é fraco, e não pode me tocar!
   O ar tremulou com energia invisível. Como se algum gigante tivesse soprado o mangual de Ronnet, as chamas minguaram e se dissiparam. O cavaleiro xingou em voz alta, mas não conteve seu avanço, e Sven se viu no alcance da arma do inimigo.
   A bola de ferro com espinhos se ergueu no ar e caiu como uma estrela-cadente. Sven saltou para o lado, desengonçado; por um milagre, a arma o errou, quicando no chão úmido e arrancando lascas de pedra branca a milímetros de onde ele estivera um instante atrás. Surpreso com sua sorte, Sven respondeu com um golpe de duas mãos de seu martelo; mas o movimento fora mal calculado, e chocou-se, inútil, contra a placa de peito negra de Ronnet. O homem riu em deboche, e levantou a corrente para acertar um golpe terrível...
   ... e o martelo de energia de Sven o atingiu no meio da cara.
    O golpe ressoou como um sino pelo pátio de combate. Sven ouviu a plateia urrar, mas se era em aclamação ou revolta ele não sabia dizer. A cara de demônio do elmo se amassara, torcendo a careta em uma expressão ridícula, quase cômica. O martelo brilhante se ergueu novamente no ar, como se empunhado por um fantasma, preparando-se para atacar novamente. Sven avançou na direção do flanco de Ronnet, buscando uma brecha em sua armadura negra com seu próprio martelo.
   Não era à toa, no entanto, que Ronnet era um seguidor do Deus da Guerra. De alguma forma, o cavaleiro negro conseguiu lutar ao mesmo tempo contra Sven e contra seu martelo de energia. A arma mágica descia repetidamente sobre ele, mas ele recuava e bloqueava os ataques com o braço esquerdo coberto em aço; quando o anão atacava, Ronnet devolvia golpes com o mangual ou simplesmente permitia ser atingido em pontos reforçados da armadura.O choque dos impactos subia pelo braço de Sven, fazendo-o grunhir.
    Finalmente, após a sexta investida, o martelo se chocou contra a armadura uma última vez. A arma se levantou no ar se desvanecendo, e seu brilhou minguou conforme a força do feitiço de Sven se esvaía. Ronnet se virou para encarar o anão numa postura triunfante; Sven, por sua vez, segurou o martelo físico com ambas as mãos e avançou contra o oponente, rugindo.
   Ronnet deu um passo para o lado no momento exato em que o martelo descia, tirando o equilíbrio de Sven. O anão viu, assustado, enquanto o cavaleiro fazia um arco amplo com a corrente, e ergueu o martelo pra proteger a face do temível golpe.
   Fora um erro. Ronnet não mirara em Sven, mas no próprio martelo, e o mangual fizera seu trabalho. A corrente se enrolou ao redor do cabo da arma do anão, a bola de ferro girando em alta velocidade; com um tranco, a arma foi arrancada das mãos de Sven e arremessada metros atrás de Ronnet.
   Sven xingou na língua anã, recuando desesperadamente dos sucessivos golpes da corrente do inimigo. Desarmado, a única arma do anão eram suas orações; mas Ronnet sabia disso, e não daria brecha para ele pronunciar suas fórmulas ou fazer os gestos. Só restava ao anão recuar cada vez mais, tentando sair do alcance do inimigo, mas as pernas compridas do humano não permitiria que a distância entre os adversários aumentassem...
   Mas o recuo de Sven finalmente chegou ao fim. Ronnet saltou para frente e esticou os braços para trás, preparando-se para desferir um golpe horizontal terrível contra o anão; este, por sua vez, tentou saltar para o lado, mas escorregou no chão úmido e despencou, com um estrondo metálico, chocando-se contra o terreno. Por sorte, isso o salvou, pois o mangual passou assoviando sobre sua cabeça no que certamente seria um golpe mortal.
   O mais rápido que podia, Sven se ergueu, se aproveitando do recuo da arma do oponente. Ronnet se virou para atingi-lo, mas o anão desferiu um chute bem dado na lateral de seu joelho; não fosse a armadura, a perna do humano certamente teria se quebrado horrivelmente, mas ao invés disso o anão o derrubou, uivando de dor. A audiência gritava para os dois, e Sven conseguia ouvir alguém gritando "Mate-o! Mate-o!".
   Quando Ronnet conseguiu se levantar, mancando, Sven já tinha colocado uma boa distância entre os dois, e cantava seu encanto numa cadência baixa e quase febril. Era seu último recurso, seu trunfo, sua magia mais poderosa; se aquilo falhasse, ele estava perdido.
   O humano certamente reconheceu a magia, pois soltou um brado enfurecido e avançou contra o anão, desesperado para interromper a conjuração. Um golpe, mesmo fraco, bastaria para interromper a concentração do anão e fazer com que a energia gasta se dissipasse. Sven viu, em pavor, enquanto o humano avançava como um touro enfurecido - três passos de distância - mas ele precisava se concentrar, senão tudo estava perdido - dois passos - Moradin, meu Pai, dai-me forças - um passo - e então...
   Dois clarões escarlates brotaram dos dois lados de Sven, cegando Ronnet momentaneamente; o humano refreou seu avanço, gemendo. Um som alto de rochas se rompendo e terra deslizando tomou conta da arena, e a plateia prendeu a respiração ao ver a dupla de criaturas que aparecera do nada, flanqueando Ronnet.
   O feitiço de Sven conjurara dois servos de Moradin para auxiliá-lo em combate, e não eram servos quaisquer. As criaturas eram da altura de Sven, mas eram tão largos quanto altos. Sua pele era feita de pedra pura, e seus corpos lembravam estátuas feitas à semelhança de anões, mas que foram deixadas inacabadas: apesar de terem as feições de um anão de pedra, o tronco e os membros eram pedras naturalmente encaixadas, com lascas e pontas saindo para os lados. Eram elementais, seres de outro mundo, a essência encarnada da terra e das rochas. Eram inimigos terríveis e Ronnet sabia, pois agora estava cercado.
   
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   Os elementais avançaram sobre o humano sem falar uma palavra. Tinham membros que lembravam pedras grossas de pedra, mas eles não caminhavam normalmente; ao invés disso, eles deslizavam, quase como se escorregassem sobre o chão. De fato, seus pés se misturavam ao piso de pedra branca. Eles eram a pedra e a pedra era eles, e eles estavam lutando em seu terreno favorito.
   O elemental da direita levantou um braço de pedra e desceu sobre o peito de Ronnet, uma martelada de esmagar ossos. O humano recuou, trôpego, e o golpe ressoou sobre sua placa de peito negra; mas, antes que ele pudesse contra-atacar, o segundo elemental já dera a volta no guerreiro e o acertou nas costas com a força de um aríete. Ronnet foi lançado de cócoras no chão, bufando, a metros de distância.
   Sven aproveitou a distração para atravessar o pátio e recuperar seu martelo. Alguns na multidão gritavam pra ele, chamando-o de covarde, mas ele simplesmente ignorou: era uma luta de clérigos, e a magia - qualquer que fosse - era permitida. Além disso, o martelo era a arma e ferramenta de Moradin, e ele não poderia terminar o combate sem ele nas mãos.
   Apanhou o martelo abandonado sobre vaias e aclamações e se virou para a luta que se desenrolava. Um som sinistro, acompanhado de uma energia escura e vibrante, resultou na destruição da cabeça de um dos elementais. Sven viu Ronnet se erguer, enquanto os restos do elemental que ele eliminara despencava no chão como uma pilha de pedras soltas e poeira. O monstro restante se refreou, buscando uma posição favorável para avançar. Ronnet, aproveitando o instante, removeu o elmo amassado e o jogou de lado. O rosto do humano era uma ruína sangrenta; o nariz quebrado parecia um tomate amassado, e quantidades copiosas de sangue manchavam seu rosto. Ainda assim, quando ele encarou Sven, seus olhos ainda tinham uma determinação sinistra, agora com um brilho de ódio... e, naquele instante, para a surpresa de ambos os combatentes, o encanto de supressão de Sven acabou, e chamas escuras voltaram a recobrir a corrente e a bola de ferro do mangual de Ronnet.
   Recuperando o fôlego e sorrindo cruelmente, o humano gritou, babando sangue, e avançou contra o elemental - nesse momento, entre Sven e Ronnet. O elemental se preparou, firmando-se no chão, e levantou o braço para esmagar a cabeça exposta do humano...
   ...que saltou para o lado, num movimento impressionante para quem estava numa armadura tão pesada. O elemental foi deixado para trás, enquanto o humano corria à toda na direção de Sven.
   Sven engoliu em seco, entendendo a estratégia do oponente. Ele sabia que seria impossível manter a luta contra dois oponentes estando ferido daquela forma; sendo assim, decidira arriscar tudo num golpe final para vencer o embate. Sven assistiu o humano avançar como em um pesadelo terrível, fogo escuro cuspindo fagulhas profanas para os lados. Suas mãos apertaram o cabo do martelo, e apenas uma coisa preenchia sua mente: "Moradin... só mais essa vez, me ajude..."
   Os dois combatentes gritaram enquanto golpeavam. A chuva caía numa corrente de névoa, embaçando a visão de ambos. A multidão que assistia não emitiu um só som, prendendo a respiração, esperando o pior.
   O mangual desceu e o martelo subiu. Ronnet mirava na cabeça de Sven, e este mirava no queixo do humano. As armas se cruzaram no ar, aço e fogo, e então...
   Dois sons metálicos ressoaram no pátio. Ambos os lutadores atingiram seus oponentes, mas ficou claro que um deles tinha vencido aquele conflito.
   Era Sven.

O Mestre

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