Fonte: casperartvikingar.blogspot.com
Sentado em seu canto, na proa do dracar, Dûr Sven suspirou. A ausência de seu companheiro, o elfo, que os deixara na manhã daquele mesmo dia, se fazia sentir no silêncio opressor que caía sobre o barco da Companhia. Os pequenos acordes tocados no alaúde de Amakiir faziam tanta falta que o clima entre os companheiros era comparável ao de um funeral.
Os últimos raios de sol tingiam o Mar Branco com uma luminosidade âmbar. O fim do dia de outono trouxera uma brisa gelada que enchia a vela do barco e, inusitadamente, possibilitara aos tripulantes um descanso do serviço de remar, e eles agora se ocupavam de cuidar de seus próprios interesses. Darsh, o meio-orc, gastara vários minutos tentando pescar algo no barco em movimento, usando apenas uma linha e um anzol que ele mesmo produzira usando um encanto simples; ao constatar seu insucesso, foi para o fundo do barco, resmungando, e pôs-se a ler um velho tomo. Drake brincava de acertar a adaga entre os dedos, na amurada do barco, produzindo um toc-toc-toc constante. O velho Tom, por sua vez, mexia num asqueroso monte de algas, conchas e madeira podre de naufrágio, murmurando algumas palavras estranhas (para o crescente descontentamento de Aleena, que tentava tirar um cochilo a poucos centímetros de distância).
- Você tem que fazer isso aqui? - Rosnou a kortlani, cobrindo os olhos com um capuz de pele de bode.
- Calma, senhorita Aleena. Você já vai ver o que isso aqui é...
Aleena bufou de dentro do capuz. Drake, sem tirar os olhos da faca, respondeu.
Tom não se deixou abalar. Arranjou algumas conchas e cracas com cuidado ao redor do monte e, quando ficou satisfeito com a organização, pôs-se a entoar um canto em uma língua desconhecida, enquanto gesticulava teatralmente em cima de sua obra:
- Zaribbi aiana zabili! Serida... oronna... alalinereba! Espírito Shebasthan, grande caranguejo! Espírito Shebasthan, mensageiro do mar profundo! Dai-me um pouco de sua essência... ilumina este servo dos mares!
O grupo encarou, em silêncio, enquanto uma claridade azulada mística iluminou o monte de algas. Durou poucos segundos mas, quando acabou, a montoeira de objetos começou a se mexer por conta própria e se ergueu, na forma de um ser vivo. Tinha a forma toscamente humanoide, mas com um rosto cheio de cracas que remetia à cabeça de um siri. Seus braços finos terminavam em pequenas pinças, e folhas de algas verdes e translúcidas fazia um leque em suas costas, lembrando frágeis asas de inseto.
Darsh e Drake vieram investigar o recém-criado ser. Aleena permaneceu em seu canto, fingindo cochilar; a dor da perda do irmão, assim como as recentes adversidades sofridas pelo grupo, deixavam-na num humor ainda mais negro do que o usual.
- É um constructo, senhor Thomas? Feitiço impressionante - disse Darsh, inspecionando a criaturinha de perto.
- Não, mestre Darsh. Chama-se bogun, e ele realmente está vivo. Foi animado da matéria morta com um fragmento da essência de Shabasthan, meu espírito guardião. - Thomas parecia bastante satisfeito com si mesmo, acariciando o amuleto de casca de siri pendendo no seu pescoço.
- O que ele faz? Cospe ácido ou água fervente? Fica invisível e rasga o pescoço de seus inimigos, arrastando suas almas para o abismo negro da dor?! - indagou Drake, com os olhos escuros brilhando sinistramente.
- Ah.. não, mestre Drake. Ele atende ao meu comando, executando tarefas simples. É muito mais inteligente do que o animal mais astuto, mas não é muito bom numa luta. É mais como um... ajudante, como a coruja do mestre Darsh.
Pott piou, indignada com a comparação. Drake perdeu o interesse e se afastou, cochichando para si mesmo. "Grande pelota de merda fedorenta. Só que agora se mexe.".
Fonte: O Manual Completo do Divino
Olhando de longe, de cara feia, Sven comentou com o jovem Octavius:
- Não se deixe enganar por aquilo, rapaz. É apenas um truque barato. O verdadeiro poder só vem da fé nos Deuses, especialmente do Forjador de Almas, Moradin. Entendeu? - rosnou.
- Entendi, mestre Sven, mas...
- Mas o quê, rapaz? Não há "mas" quando se trata da magnificência de Moradin. Seu martelo...
- Mestre...
- ...cai sobre as cabeças dos falsos e infieis! Honra, tradição, família! Isso sim é algo a se preocupar!
- Mestre, terra a vista!
- ... e eu juro que... o quê? Terra? EI, SEUS PANACAS! TERRA À VISTA! CHEGAMOS!
A Companhia correu para a proa do barco. Apoiado na figura-de-proa, um tosco javali de madeira, Oc apontou para o horizonte negro. Na noite escura, era possível distinguir uma tênue linha de luzes, com certeza as tochas e lanternas de Morhstarr, capital do comércio do norte.
Sorrindo com a promessa de uma cama e comida quente, a equipe colocou seus pertences em ordem e pegou nos remos, buscando diminuir a duração da fase final da jornada. Após algumas horas de trabalho braçal, suando no vento frio da noite, o dracar da Companhia Inconsequente chegava na entrada da Baía da Prata.
- Pelos Deuses - murmurou Aleena - As luzes não eram a cidade... eram apenas o muro...
De fato, a Baía da Prata, litoral que hospedava Morhstarr, tinha uma formação rochosa em forma de anel que protegia a enseada das ondas mais fortes e permitia a construção de estruturas defensivas. Se aproveitando do fato, os primeiros senhores de Morhstarr construíram uma muralha de pedra branca, cortada das falésias locais. A muralha criava um gargalo estreito na forma de um portão, único lugar onde se podia entrar e sair da baía por mar; nesse ponto, a pedra manchada por limo e algas terminava em duas enormes estátuas de tritões marinhos esculpidos em rocha, com coroas de prata verdadeira, ladeando a passagem. O portão tinha espaço para dois grandes barcos passarem lado a lado, e ficava aberto dia e noite: só era fechado em emergências e em tempos de guerra.
- Gostou na nossa arquitetura, anão? - perguntou Drake, ao ver a expressão de admiração nos olhinhos escuros de Sven.
- Rá! Nada impressionante. Meu povo faz muralhas que fazem essa aí parecer uma cerca de palitos. - mas todos repararam que o anão não conseguira ocultar totalmente o assombro diante a maravilha da engenharia.
O barco deslizou tranquilamente pelo mar manso do interior da baía. Luzes de todos os tipos iluminavam o mar, desde embarcações ancoradas em vários pontos da água até as tochas que iluminavam a muralhas interiores. Essas eram bem mais baixas e tinham várias aberturas, ladeadas por torrinhas de pedra, e eram o último obstáculo antes do Porto da Prata. Pararam numa das aberturas da muralha, onde um sonolento e parcialmente embriagado guarda assinou uma carta atestando o ingresso do barco na cidade - na categoria de "barco de passeio". Uma vez passada a guarita, puderam ter a primeira (no caso de Drake, a segunda) vista da cidade de Morhstarr. Nem Sven conseguiu manter o queixo alto ante tamanha monstruosidade.
- Por Moradin! Isso tudo é uma cidade só? Como alimentam tanta gente? - perguntou o anão.
- Fenard tem portos grandes, mas nada como isso. Parece que a noite é apenas uma ilusão, com todas essas tochas ardendo juntas - comentou Thomas.
Mas Aleena, que já participara de muitos saques, era a que mais se impressionara.
- Deve caber uns cinco portos de Dartisburg aí... pelo menos.
Drake deu uma risadinha debochada.
- Esqueça de sua vila nos rochedos, Aleena. Isso é uma cidade de verdade! - e a guerreira estava tão embasbacada que nem respondeu.
De fato, a cidade era fora dos padrões. A linha de luzes circulava oito quilômetros no abraço da baía, com seus portos fervilhando de atividade mesmo durante a noite. Tavernas em entra-e-sai, bordeis repletos de clientes e hospedarias lotadas, todas davam para os vários portos que tocavam as águas da Prata. Alto, a Oeste, em cima de um despenhadeiro que observava a cidade iluminada, uma grande chama amarela ardia na torre mais alta da Fortaleza de Sidar, a residência ducal.
Com a equipe remando, Oc guiou o barco até um espaço vazio no cais do porto. Mal tinham amarrado o dracar num poste do cais quando um homem de meia-idade, com uniforme de soldado envolvido numa capa de aparência cara, se aproximou do barco.
- Boa noite, marinheiros. Quem é o responsável por esta embarcação? - indagou na língua Comum, com uma voz grave e cheia de importância, exibindo seu sotaque garmuni.
Por hoje é só, aventureiros! Acompanhe em breve a chegada do grupo no porto de Morhstarr!
Atenciosamente,
O Mestre
Não vai... Morrer ninguém?
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