domingo, 31 de janeiro de 2016

Capítulo 4 - Duque Artim Daven III

Fonte: museicivicifiorentini.comune.fi.it

   A sala de audiências do Duque não era menos impressionante do que o resto do castelo. Retangular, o piso formava uma escadaria de degraus rasos e que deixava o cadeirão decorado de madeira do Duque ligeiramente acima dos peticionários. As paredes atrás da cadeira possuíam janelas muito altas, ladeadas por flâmulas com o brasão dos Daven. As paredes laterais eram ocupadas por algumas estantes de livros e armários, e também existia uma segunda porta que dava acesso à sala, menor e mais discreta do que aquela pela qual o trio entrara.
   Contaram seis guardas: quatro ladeando a porta de entrada, próximos ao grupo, e mais dois na outra porta. Um deles anunciou, batendo a alabarda no chão:
   - Duque Artim Daven III, Senhor de Mohrstarr e do Ducado de Daven!
   O Duque estava sentado em sua cadeira, com uma expressão impassiva. Era jovem, não muito mais que trinta anos; tinha cabelos loiros cortados curtos, assim como uma barba escanhoada. Era um homem atlético, e tinha um semblante que expirava controle e confiança. Encostada à sua direita estava uma espada decorada, dentro da bainha; à sua esquerda ficava uma pequena mesa em que repousavam uma jarra e um cálice de prata.
   Sem saber direito como se comportar, Drake abaixou-se numa reverência. Aleena fez uma meia-mesura, contida; Sven encarava o Duque abertamente. Por fim, o Duque anunciou:
   - Saudações. Quem são vocês e o que vêm pedir de mim?
   - Somos membros da Companhia Inconsequente e trazemos algo que pertence ao senhor, senhor Duque - Drake adiantou-se. Estava nervoso e suava frio. Aleena deu um passo à frente e, lentamente, desembrulhou o fardo que trazia, revelando a espada dourada. A expressão do Duque congelou.
   - Essa é...
   - Sim, senhor Duque, é a espada de seu avô.
   Os olhos do Duque passaram da espada para Drake e de Drake para a espada. Por fim, falou:
   - Zariel'la. Traga-a pra mim.
   Dos fundos da sala, uma figura mexeu-se. Nenhum dos três tinha reparado nela antes. Vestia um manto negro justo ao corpo, e sua cabeça era coberta por um capuz mesmo na presença do Duque. Estava armada: carregava no flanco direito uma lâmina muito fina e de aparência delicada. Zariel'la adiantou-se e pegou a espada das mãos de Aleena (era pelo menos uma cabeça mais baixa que a ruiva kortlani) e entregou-a nas mãos do Duque. Seus movimentos eram fluidos e ponderados, como se ela calculasse cada passo.
   O Duque passou um bom tempo analisando a espada. Passou as mãos por cada ranhura ou detalhe, demorando-se na cabeça de leão com pequenos olhos de rubi que decorava o pomo. Passaram-se minutos até que ele falasse de novo.
   - Chame Yllin. E traga-me o que puder encontrar.
   A figura sombria fez um aceno de cabeça e saiu pela porta lateral. O Duque se virou para o trio.
   - Serei sincero. Nunca ouvi falar de vocês antes. Imagino que sejam uma companhia mercenária, como tantas outras que existem nas minhas terras. Porém... embora não seja nenhum segredo, há tempo que nenhum caçador de tesouros tenta entrar naquela mina amaldiçoada para tentar recuperar esta arma. Me interessa saber como ouviram falar dessa história antiga. - a indagação soava como uma ordem.
   - Será um prazer esclarecê-lo, senhor Duque, - começou Drake - entretanto, acredito que essa história possua informações que o senhor talvez não queira compartilhar com mais ninguém.
   O Duque encarou o jovem, seus olho cinzentos penetrantes como aço. Não falou nada.
   - Talvez o senhor queira... dispensar seus guardas.
   Daven levantou suas sobrancelhas.
   - Sugere que eu dispense meus guardas e fique a sós com três mercenários desconhecidos?
   - Eu sei que não parece ideal... mas... diabos... - Drake engoliu em seco - é sobre o herdeiro dos Hvitstein, senhor Duque.
   Se o Artim Daven achava que não poderia se surpreender mais, enganou-se. Sua expressão tornou-se ainda mais inquisitiva. Virou-se para os guardas:
   - Quando Zariel'la voltar, retirem-se do recinto.
   -  Sim, senhor! - responderam, em uníssono.
   Passaram-se alguns minutos incômodos nos quais o Duque encarava o grupo, especialmente Drake. Drake sustentou o olhar do nobre enquanto pôde, e depois desenvolveu um interesse excepcional no tapete em que pisavam. Aleena deixou o olhar vagueando entre as tapeçarias e os guardas. Apenas Sven encarava o Duque abertamente, nada constrangido, ao que parecia.
   Zariel'la entrou na sala pela mesma porta em que saíra, acompanhada de uma mulher de meia idade. Esta vestia uma longa saia e um corpete apertado; seus cabelos eram negros e curtos, e seus olhos eram de um impressionante tom de violeta. Ela trazia uma pequena arca de madeira entalhada e andava com passadas largas e confiantes. No momento em que a dupla chegou, todos os guardas saíram do aposento.
   - Senhor Duque, me chamou? - disse Yllin, com um sorriso polido.
   - Sim, senhorita Yllin. Gostaria que inspecionasse esse artefato. Acredito que seja familiar com ele.
   Yllin olhou para a espada, mas, se estava surpresa, não demonstrou. Pegou a arma com delicadeza, e se encaminhou para uma das mesas encostadas à parede do aposento. Depositou ali a arca e a espada, e então abriu o recipiente; de dentro dele, tirou um cálice de madeira grande e tosco, uma pena negra curta, uma garrafa de bebida e algo pequeno e brilhante. Com um pilão também retirado da arca, moeu o pequeno objeto e encheu o cálice com bebida da garrafa. Por fim, baixinho, entoou uma canção em língua desconhecida, enquanto mexia o preparo. Acabando seu rito, bebeu do cálice até esvaziá-lo, e então segurou a espada novamente entre as mãos. Passando alguns segundos de contemplação, voltou-se para os presentes com o mesmo sorriso que exibia antes.
   - Legítima, senhor Duque. Ou pelo menos coincide com as propriedades descritas pelo senhor seu avô. Parabéns àqueles que a recuperaram. - disse, com uma ligeira mesura para o trio.
   O Duque, que estava lendo uma série de pergaminhos entregues a ele por Zarie'la, levantou os olhos.
   - Agradeço, senhorita Yllin. Está dispensada.
   A moça acenou com a cabeça, reuniu seus pertences e saiu da sala. Daven continuou:
   - A senhorita Yllin serve na corte desde os tempos de meu avô. É uma estudiosa e especialista em objetos de poder, por isso solicitei sua análise em cima da espada...
   - Conhecemos o ritual - disse Sven, em voz alta. Era o mesmíssimo encanto usado por seu antigo companheiro Amakiir, o bardo, para adivinhar os efeitos mágicos de armas encantadas - O que me chama mas atenção, no entanto, é que você achava que nós estávamos mentindo pra você, não é? Que viríamos até aqui para tentar passar a perna?
   Duque Daven encarou o anão com um olhar gelado.
   - Era uma possibilidade. Entretanto, como não estou acostumado a receber idiotas a esse nível, minha preocupação era que alguém tivesse enganado a vocês, trocando a relíquia por uma cópia.
   Sven deu um muxoxo de impaciência.
   - Mas já basta de mistérios. Quero saber o nome de vocês, embora já tenha descoberto parte do mistério. Tenho algumas cartas de um mercador em Kortlan que diz que uma tal "Companhia Inconsequente" esteve a serviço do Rei em Dartistaed e combateu os soldados imperiais na guerra.
   - De fato, senhor - disse Drake - lutamos em Dartistaed, sim. Meus companheiros aqui são Aleena Fogo-Vivo, donzela-escudeira de Kortlan, e esse poço de doçura é Dûr Sven, clérigo do deus Moradin dos anões. Quanto a mim...
   Drake parou. As próximas palavras saíram com dificuldade, após ele tomar fôlego:
   - Eu sou Karl Hvitstein, filho de Herre Hvitstein, Arquiduque de Garmun e herdeiro por direito ao trono do Norte.
   O Duque pareceu não se abalar. Folheou os pergaminhos até achar o que procurava. Começou a ler em voz alta:
   -"Drake Krowsey. Procurado vivo ou morto por assassinato de sangue nobre. Armado e perigoso. Recompensa: mil coroas de ouro." - O Duque virou a página amarelada para o grupo - Você deixou crescer a barba, mas me parece bastante com você. Que me diz, Karl Hivstein, Senhor do Norte?
   Drake estava pasmo. Aleena e Sven encararam o companheiro, buscando respostas. Depois de uns instantes, o jovem respondeu.
   - Senhor Duque... - começou - ...eu fiz muitas coisas de que me arrependo para sobreviver. Os assassinos de meu pai se tornaram nobres, e eu passei minha infância perseguido.
   - Então - interrompeu-lhe o Duque - você não nega ter assassinado o filho de Ser Hartar a sangue-frio, há quase um ano, na minha própria cidade?
   - Não.
   - E se importaria em explicar por que o fez?
   - Por que o nobre em questão - a voz de Drake tremia - portava consigo a adaga de meu pai.
   Um silêncio profundo se abateu no aposento. Drake e o Duque se encararam.
   - Pois bem. Então agora me explique, Drake, ou Karl, ou o que quer que seja, o que quer de mim ao trazer a relíquia de minha família aqui, em meu castelo. Devo encher seus bolsos de ouro?
   Drake nem chegou a pensar na resposta.
   - Não. Desejo que perdoe meus crimes. E que ouça ao que tenho a dizer.
   O Duque olhou para Drake seriamente, antes de responder. Por fim, suspirou e disse:
   - Feito. Seus crimes estão perdoados a partir desse momento. E eu o concedo uma audiência particular, no sétimo dia a partir deste, ao entardecer.
   - Espera aí um momentinho só! - disse Sven. Os olhos se voltaram para ele - Você quer dizer que passamos por aquilo tudo pra isso? Um pedido de desculpas aceito e um jantar à luz de velas?
   - Sven, cale a boca - cochichou Drake. O Duque tinha uma expressão pétrea.
   - Não me calo, não! Aleena - virou-se para a ruiva - Krug morreu naquela mina maldita! Vai deixar que a morte de seu irmão tenha sido em vão?
   O semblante da guerreira se carregou.
   - Nós devíamos estar sendo recebidos como reis! Mas não! Ao invés disso, esse nobrezinho pomposo fica nos acusando de assassinato e nos promete um jantar! Um jantar!
   - Já chega. - disse o Duque, levantando-se - Basta. Não serei insultado em meu próprio salão.
   - Pois eu cago para você, e cago para o seu salão - o anão escarrou e cuspiu no chão. Deu as costas e saiu da sala, pisando pesado. Zariel'la fez menção de reagir, mas o Duque sinalizou para que ela ficasse onde estava. Sentou-se lentamente.
   - Senhor Duque, eu... - começou Drake
   - Não me interessam suas desculpas. Não o julgarei pelo comportamento de outros. Mas, se já acabaram de dizer o que tem a dizer, estão dispensados.
   Drake começou uma reverência, mas Aleena pigarreou. O jovem a encarou em horror.
   - Tenho algo a dizer, ainda.
   O Duque a encarou, esperando.
   - Queremos licença para portar armas na cidade.
   - Apenas a Guarda da Cidade e agentes a meu serviço tem licença para portar armas em Morhstar.
   - Pois ao que me parece, nós prestamos um serviço a você - e apontou para a espada com o queixo. Drake achou, por um instante, que tinham ido longe demais; o Duque, no entanto, respondeu:
   - Que seja. Zariel'la certificará que recebam a licença. Imagino que queiram no nome "Companhia Inconsequente"?
   Aleena fez que sim.
   - Então, se já acabaram, retirem-se. Desejo ser deixado em paz.
   Drake e Aleena andaram em direção à porta, lentamente. Antes de sair entretanto, Aleenna virou-se e disse mais uma coisa:
   - Duque Artim Daven III. Meu irmão realmente morreu para que nós conseguíssemos essa espada. Sugiro que faça bom uso dela.
   Daven não respondeu, e as portas para sua sala de conferências foram fechadas.

Num clima de tensão, Drake revela um de seus segredos para o Duque. Se ele encontrará ali um aliado ou um inimigo, só o tempo pode dizer...

O Mestre

Nenhum comentário:

Postar um comentário