Após a visita da Companhia à loja do curioso Boobeedabeetz, retornaram à casa de Xhu Sie e Thudar. A partir daquele dia, passariam ali meia quinzena de dias, e uma rotina foi se estabelecendo lentamente.
Certamente ninguém tinha um dia-a-dia mais duro do que Aleena. Na noite do dia que foram à loja de Boobeedabeetz, Thudar acendera sua forja e Xhu Sie ordenara que ela depositasse ali sua espada. Aleena cerrou os maxilares e segurou as emoções enquanto sua lâmina se derretia no calor; era como observar uma parte da sua vida se desfazendo diante dos olhos.
A ruiva era acordada na madrugada, todos os dias, por Xhu Sie. Comprava leite, pão e queijo para que todos na casa pudessem ter um desjejum digno; em seguida, preparava a cozinha, varria o chão da casa, limpava a latrina, cortava lenha para a lareira, jardinava, lavava roupas do grupo, polia e lustrava as armas e armaduras. A pobre guerreira não compreendia, em absoluto, qual era o significado do dito "treinamento". Tentava ao máximo ser paciente e não questionar sua mestra para não aparentar estar desistindo tão rápido, mas seus companheiros faziam com que a tarefa se tornasse praticamente insuportável. Tom e Sven acharam graça na situação, mas pararam de fazer piadas por volta do segundo dia; no entanto, Darsh não apenas tinha um estoque inesgotável de frases sarcásticas como parecia estar em todo lugar que Aleena ia, sempre a fazer troça. Pior talvez era Drake, que a fazia trabalhar muito mais do que devia ao afirmar que "O pão estava com um gosto um pouco estranho" ou que "Minha capa não foi esfregada com a dedicação suficiente". Aleena bufava e ficava num tom perigoso de vermelho, mas nada podia fazer se não quisesse continuar no treinamento, e por isso aguentava o sofrimento calada.
Embora a moça fosse acostumada com a dor física e o cansaço desde a tenra infância, suas tarefas a deixavam completamente exausta. Aprendia que o esforço de um fazendeiro ou de um servo não era menor do que o de um lutador, apesar de músculos diferentes serem trabalhados e da exaustão mental ser bem superior. Por diversas vezes, pegava Xhu Sie a observando, mas ela nunca falava nada; sua expressão era indecifrável por trás de sua máscara branca. E assim Aleena passou aqueles sete dias, em labuta intensa, misturando raiva, frustração e exaustão no fundo de sua mente.
De fato, Darsh e Drake passaram aquela metade de quinzena praticamente toda dentro da casa de Xhu Sie. Darsh ocupava seus dias lendo os livros que retirara do mago que aniquilara em sua aventura anterior, meditando na varanda ou testando feitiços novos nos jardins da casa (embora fosse levemente repreendido por Xhu Sie quando acidentalmente ateara fogo a um dos pés de lavanda). Passou então a sair cedo de casa e se dirigir à mata que existia dentro da cidade, reserva de caça do Duque e sua corte, e lá fazia seus experimentos escondido do grupo e de cidadãos curiosos. Voltava para casa durante o almoço com um ar superior e parecendo muito satisfeito consigo mesmo, mas quando Sven perguntou o que ele estava fazendo sozinho ele simplesmente respondeu: "Aguarde e verá, senhor anão", enquanto alisava a longa barba trançada sobre a mesa da cozinha.
Drake passava os dias dormindo até bem tarde ou importunando Aleena ou o pobre Oc (que, por sua vez, ajudava nas tarefas da casa e ia constantemente verificar a segurança do barco no porto); tentou conversar com o Duque mais uma vez, apenas para descobrir que ele tinha deixado seu venerável intendente por conta das audiências com os peticionários naquela quinzena; isso o deixou de mau humor, e ele descontou na na acidez com que tratava seus companheiros. Embora todos achassem que ele era simplesmente preguiçoso demais para se ocupar de algo, Drake ficava realmente ativo à noite, quando todos dormiam: quando a lua iluminava fracamente o céu noturno, Drake retomou a prática do estranho estilo de luta dançada que aprendera com seus tutores, com movimentos rápidos e esquivos que envolvia golpes extravagantes e imprevisíveis com sua adaga. Depois e pouco mais de uma hora de prática de luta, ele lavava o rosto no poço artesiano da casa e se dirigia para o apertado sótão, onde punha-se a ler o tomo que obtivera de Boobeedabeetz. O mercador não mentira quando dissera que era uma obra perturbadora: as descrições dos lordes monstruosos e as histórias macabras contadas nas páginas amareladas, por vezes interrompidas por ilustrações não menos apavorantes, fazia seus já constantes pesadelos adquirirem um novo tom de ameaça. Ainda assim, ele perseverava, tentando descobrir mais sobre sua herança; e ele não contou a nenhum dos amigos sobre o tomo, pois temia seu julgamento.
A rotina de Sven, entretanto, talvez se tornara a mais interessante. O clérigo convencera seu amigo Thudar a adaptar a bela armadura que ganhara de Amakiir para seu tamanho (afinal de contas, a peça fora forjada para o corpo esguio de um elfo), mesmo com as várias reclamações do paladino de que um servo de Moradin usasse uma armadura feita para vestir um "fada da floresta". Por fim, passaram dois dias na forja, onde Thudar se ocupou de alargar os ombros e o abdome da peça, para depois encurtar as braçadeiras e as grevas. O resultado não ficou exatamente espetacular, mas cobria todo o corpo de Sven; e mesmo Thudar admitiu, no fim, que o metal fora trabalhado com qualidade impressionante ("Para um elfo" acrescentou, de má vontade). O metal dourado era repleto de curvas delicadas e extremidades alongadas em ângulos suaves, constrastando com as retas bruscas que decoravam o martelo-de-guerra portado por Sven em batalha; o elmo cobria seu crânio achatado, mas sua barba negra como carvão se derramava por baixo do capacete (conferindo a Sven uma aparência que alternava entre o apavorante e o ridículo).
No terceiro dia, porém, Sven decidiu que iria visitar o santuário de Moradin localizado no Distrito dos Templos da cidade. Voltou para a casa no meio da manhã, vermelho e bufando.
- Que há, irmão? Aconteceu algo? - inquiriu Thudar, preocupado.
- Sim! Achei o santuário! Thudar, como pode ser aquele o templo de nosso deus na cidade? Mais parece um terraço de pedra com uma forja! Eu vi anões pelas ruas, como podemos homenagear nosso Pai propriamente dessa maneira?
- Não existe problema em termos um santuário humilde, Dûr Sven - defendeu Thudar, um tanto envergonhado e chateado com a irritação de Sven.
- Humilde? Haviam rachaduras no piso e hera crescendo nas pilastras! Você viu o tamanho da Casa de Repouso dedicada ao deus das estradas? É gigantesca! Como os cidadãos de Morhstarr podem reconhecer a grandeza de Moradin mais se parece com um... um poço velho?
- Sven!
- Não, irmão, não deixarei que isso se perpetue. Vou resolver isso já!
E, dito isso, se retirou para seu quarto no subsolo. Voltou alguns minutos depois carregando uma pequena arca de madeira e vestido em seus novíssimos robes de sacerdote, muito parecido com um tabardo de guerreiro, mas decorado com a forja e a chama de Moradin. Retirou-se apressadamente da casa, resmungando para si mesmo, e Thudar lamentou-se; conhecia a cabeça dura de seu amigo, e suspeitava que ele ia se meter em problemas.
A verdade era que Sven, em sua fervorosa devoção a Moradin, pretendia revitalizar e ampliar o santuário e não mediria esforços para fazê-lo. Dessa forma, fora para o Distrito da Prata e gastara dois dias lá, pregando para os passantes sobre o valor de Moradin, oferecendo a cura divina gratuitamente para cidadãos e marinheiros, doando dinheiro para mendigos e oferecendo o pagamento em prata para qualquer um que se dispusesse a ajudá-lo em seu projeto. No fim do quarto dia, Sven contratara um pequeno contingente de pedreiros e trabalhadores, em sua grande maioria anões que habitavam a cidade ou que estavam ali de passagem, e começaram a quebrar e substituir pedras da laje, subir colunas novas ao redor do santuário (que ficava num canto isolado do distrito, ao sul de um pequeno bosque de bétulas onde os habitantes iam para observar a natureza e descansar). O projeto era organizado por um construtor anão, um experiente ancião chamado Gertrum, que possuía uma voz esganiçada e uma longa barba branca como a neve que tocava o chão; o homem era um devoto e não aceitara uma moeda pelo trabalho, insistindo em ajudar o sacerdote de boa vontade. Sven chegava em casa todas as noites, suado, faminto e fedendo, com os braços duros de esforço, mas a fé alimentada pelo trabalho dedicado ao seu patrono. Thudar, é claro, acabara por se animar com a empreitada e gastava o tempo em que não estava trabalhando na forja na obra, ajudando os trabalhadores como podia, para a satisfação de Sven.
Embora a moça fosse acostumada com a dor física e o cansaço desde a tenra infância, suas tarefas a deixavam completamente exausta. Aprendia que o esforço de um fazendeiro ou de um servo não era menor do que o de um lutador, apesar de músculos diferentes serem trabalhados e da exaustão mental ser bem superior. Por diversas vezes, pegava Xhu Sie a observando, mas ela nunca falava nada; sua expressão era indecifrável por trás de sua máscara branca. E assim Aleena passou aqueles sete dias, em labuta intensa, misturando raiva, frustração e exaustão no fundo de sua mente.
De fato, Darsh e Drake passaram aquela metade de quinzena praticamente toda dentro da casa de Xhu Sie. Darsh ocupava seus dias lendo os livros que retirara do mago que aniquilara em sua aventura anterior, meditando na varanda ou testando feitiços novos nos jardins da casa (embora fosse levemente repreendido por Xhu Sie quando acidentalmente ateara fogo a um dos pés de lavanda). Passou então a sair cedo de casa e se dirigir à mata que existia dentro da cidade, reserva de caça do Duque e sua corte, e lá fazia seus experimentos escondido do grupo e de cidadãos curiosos. Voltava para casa durante o almoço com um ar superior e parecendo muito satisfeito consigo mesmo, mas quando Sven perguntou o que ele estava fazendo sozinho ele simplesmente respondeu: "Aguarde e verá, senhor anão", enquanto alisava a longa barba trançada sobre a mesa da cozinha.
Drake passava os dias dormindo até bem tarde ou importunando Aleena ou o pobre Oc (que, por sua vez, ajudava nas tarefas da casa e ia constantemente verificar a segurança do barco no porto); tentou conversar com o Duque mais uma vez, apenas para descobrir que ele tinha deixado seu venerável intendente por conta das audiências com os peticionários naquela quinzena; isso o deixou de mau humor, e ele descontou na na acidez com que tratava seus companheiros. Embora todos achassem que ele era simplesmente preguiçoso demais para se ocupar de algo, Drake ficava realmente ativo à noite, quando todos dormiam: quando a lua iluminava fracamente o céu noturno, Drake retomou a prática do estranho estilo de luta dançada que aprendera com seus tutores, com movimentos rápidos e esquivos que envolvia golpes extravagantes e imprevisíveis com sua adaga. Depois e pouco mais de uma hora de prática de luta, ele lavava o rosto no poço artesiano da casa e se dirigia para o apertado sótão, onde punha-se a ler o tomo que obtivera de Boobeedabeetz. O mercador não mentira quando dissera que era uma obra perturbadora: as descrições dos lordes monstruosos e as histórias macabras contadas nas páginas amareladas, por vezes interrompidas por ilustrações não menos apavorantes, fazia seus já constantes pesadelos adquirirem um novo tom de ameaça. Ainda assim, ele perseverava, tentando descobrir mais sobre sua herança; e ele não contou a nenhum dos amigos sobre o tomo, pois temia seu julgamento.
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A rotina de Sven, entretanto, talvez se tornara a mais interessante. O clérigo convencera seu amigo Thudar a adaptar a bela armadura que ganhara de Amakiir para seu tamanho (afinal de contas, a peça fora forjada para o corpo esguio de um elfo), mesmo com as várias reclamações do paladino de que um servo de Moradin usasse uma armadura feita para vestir um "fada da floresta". Por fim, passaram dois dias na forja, onde Thudar se ocupou de alargar os ombros e o abdome da peça, para depois encurtar as braçadeiras e as grevas. O resultado não ficou exatamente espetacular, mas cobria todo o corpo de Sven; e mesmo Thudar admitiu, no fim, que o metal fora trabalhado com qualidade impressionante ("Para um elfo" acrescentou, de má vontade). O metal dourado era repleto de curvas delicadas e extremidades alongadas em ângulos suaves, constrastando com as retas bruscas que decoravam o martelo-de-guerra portado por Sven em batalha; o elmo cobria seu crânio achatado, mas sua barba negra como carvão se derramava por baixo do capacete (conferindo a Sven uma aparência que alternava entre o apavorante e o ridículo).
No terceiro dia, porém, Sven decidiu que iria visitar o santuário de Moradin localizado no Distrito dos Templos da cidade. Voltou para a casa no meio da manhã, vermelho e bufando.
- Que há, irmão? Aconteceu algo? - inquiriu Thudar, preocupado.
- Sim! Achei o santuário! Thudar, como pode ser aquele o templo de nosso deus na cidade? Mais parece um terraço de pedra com uma forja! Eu vi anões pelas ruas, como podemos homenagear nosso Pai propriamente dessa maneira?
- Não existe problema em termos um santuário humilde, Dûr Sven - defendeu Thudar, um tanto envergonhado e chateado com a irritação de Sven.
- Humilde? Haviam rachaduras no piso e hera crescendo nas pilastras! Você viu o tamanho da Casa de Repouso dedicada ao deus das estradas? É gigantesca! Como os cidadãos de Morhstarr podem reconhecer a grandeza de Moradin mais se parece com um... um poço velho?
- Sven!
- Não, irmão, não deixarei que isso se perpetue. Vou resolver isso já!
E, dito isso, se retirou para seu quarto no subsolo. Voltou alguns minutos depois carregando uma pequena arca de madeira e vestido em seus novíssimos robes de sacerdote, muito parecido com um tabardo de guerreiro, mas decorado com a forja e a chama de Moradin. Retirou-se apressadamente da casa, resmungando para si mesmo, e Thudar lamentou-se; conhecia a cabeça dura de seu amigo, e suspeitava que ele ia se meter em problemas.
A verdade era que Sven, em sua fervorosa devoção a Moradin, pretendia revitalizar e ampliar o santuário e não mediria esforços para fazê-lo. Dessa forma, fora para o Distrito da Prata e gastara dois dias lá, pregando para os passantes sobre o valor de Moradin, oferecendo a cura divina gratuitamente para cidadãos e marinheiros, doando dinheiro para mendigos e oferecendo o pagamento em prata para qualquer um que se dispusesse a ajudá-lo em seu projeto. No fim do quarto dia, Sven contratara um pequeno contingente de pedreiros e trabalhadores, em sua grande maioria anões que habitavam a cidade ou que estavam ali de passagem, e começaram a quebrar e substituir pedras da laje, subir colunas novas ao redor do santuário (que ficava num canto isolado do distrito, ao sul de um pequeno bosque de bétulas onde os habitantes iam para observar a natureza e descansar). O projeto era organizado por um construtor anão, um experiente ancião chamado Gertrum, que possuía uma voz esganiçada e uma longa barba branca como a neve que tocava o chão; o homem era um devoto e não aceitara uma moeda pelo trabalho, insistindo em ajudar o sacerdote de boa vontade. Sven chegava em casa todas as noites, suado, faminto e fedendo, com os braços duros de esforço, mas a fé alimentada pelo trabalho dedicado ao seu patrono. Thudar, é claro, acabara por se animar com a empreitada e gastava o tempo em que não estava trabalhando na forja na obra, ajudando os trabalhadores como podia, para a satisfação de Sven.
Por último havia o xamã. Tom acordava antes do Sol, todos os dias, para comer um desjejum apressado e correr até a Rua Thall, onde trabalhava o dia todo com Boobeedabeetz. Era um trabalho maçante e cansativo, sem dúvida: ele passava as manhãs e as tardes tirando poeira de itens estocados ("Era de se esperar que uma loja de artefatos arcanos tivesse um feitiço para impedir a poeira de se acumular"), registrando mercadorias novas em um pesado tomo no fundo da loja, organizando caixas e recipientes nas prateleiras e ocasionalmente ocupando o balcão quando o dono saía para resolver algo (sempre pela porta dos fundos, percebeu Tom).
No entanto, o velho xamã nunca diria que o trabalho era desperdiçado. Em primeira instância pela própria atividade: ao ler e escrever registros, Tom estava aprendendo muito sobre a magia arcana e os efeitos que causava. Cajados que permitiam controlar a forma da terra, varinhas que disparavam raios da morte, incensórios que conjuravam monstros quando abastecidos... eram tantas maravilhas diferentes que o xamã passou a ter certeza que Boobeedabeetz era a pessoa mais poderosa de Morhstarr, fazendo com com que o respeito pelo mercador crescesse ainda mais. Além disso tudo, no fim do expediente, o extra-planar o deixava fazer perguntas sobre os planos exteriores e as respondia de forma ampla, contando de suas aventuras e viagem fora do Plano Material, às vezes de forma extremamente técnica e teórica (ressaltando pontos geográficos específicos dos outros planos) e às vezes de forma romantizada e aventuresca, como da vez em que ele fugira por um triz do palácio de um gênio do fogo extremamente mau-humorado e seu exército de salamandras guerreiras.
No sexto e penúltimo dia da semana, entretanto, aconteceu algo que quebraria a recente e tênue rotina estabelecida na casa.
Era noite. Sven, Thudar e Darsh comiam um assado de cordeiro regado à cerveja escura, enquanto Aleena terminava suas tarefas diárias. Drake e Oc estavam no quintal, onde o garmuni tentava ensinar o grumete a atirar com o arco curto.
- Não, não, assim não. Tem que deixar seu antebraço totalmente reto, perpendicular, assim. Pronto. Agora puxe - mais, moleque, puxe mais! Força! Assim está bom: solte! Isso! Belo tiro! Se fosse um inimigo, teria entrado nos meio dos olhos!
Oc deu um sorriso tímido, que logo se desmanchou. O rapaz olhou para baixo, encarando os pés de Drake, que não entendeu a reação.
- Que foi, moleque? Foi um bom tiro. Você ainda demora muito para puxar e mirar, mas isso vem com a prática.
- E-eu... bom, mestre, eu...
- Que foi? Quer me dizer algo?
Octavius corou furiosamente, o que Drake percebeu na escuridão graças a sua visão aguçada de tiefling, mantida mesmo sobre o encantamento de disfarce. Drake endureceu sua postura.
- Octavius. Tem algo errado? Você fez algo errado? - o menino nada respondia, balançando a cabeça em negativa - Algo a ver com o barco?
- Não é nada, mestre Drake, eu só... estou cansado. E com fome. Está escuro, podemos entrar?
Drake olhou para o céu. Sua visão aprimorada fizera com que se distraísse da passagem do tempo. Ainda estava desconfiado do comportamento anormal do rapaz, mas decidiu pegar leve.
- Vamos, então.
Entraram na cozinha e se sentaram, ao mesmo tempo que Aleena ia ter com Xhu Sie.
- Acabei de trocar os cobertores e alimentar as lareiras, mestra. Precisa de mim para mais algo?
- Um pouco de chá de jasmim, por favor.
- Sim, Aleena! - gritou Darsh, tirando os olhos do livro aberto em cima da mesa de jantar - Chá seria ótimo.
A moça fuzilou o feiticeiro com o olhar enquanto ia para a cozinha e colocava o bule de ferro sobre o fogo. Aleena nunca aprendera a arte de cozinhar, e tinha dificuldade nas tarefas mais simples na cozinha: o resultado de seu chá foi desastroso. Thudar, educadamente posou a xícara após o primeiro gole, tentando não fazer careta; Darsh foi o completo oposto, botando a língua para fora. Xhu Sie, entretanto, esvaziou a caneca e anunciou serenamente:
- O chá amargo é como a vida de um pescador.
Todos olharam para ela, esperando uma explicação, mas ela não disse mais nada. Darsh completou, sussurrando para Drake:
- Como a vida de um pescador, sim. Uma bosta e com risco de afogamento.
O tiefling engasgou-se com o chá e cuspiu o líquido pra todo lado, tentando conter as risadas. Aleena ficara vermelha e saiu da cozinha pisando duro.
O clima foi quebrado, entretanto, quando ouviram a porta de entrada da casa se abrir com um estrondo. Passadas rápidas se fizeram ouvir e Tom irrompeu na cozinha, suado e esbaforido:
- Vocês! Vamos, rápido! Precisamos ir para o Distrito do Templo agora!
Todos pularam das cadeiras, alarmados.
- O que foi, homem? O que aconteceu? - inquiriu Darsh.
- Algo na nossa obra? - perguntou Sven, preocupado.
- Não, não! Eu a vi! A maldita!
- Que maldita?
- A mulher que roubou o chapéu do rapaz e prendeu aos postes no porto! Estive a procurando nas ruas todos esses dias, mas ninguém sabia dela... e então, depois do meu turno na loja eu a vi, simplesmente, andando por aí como se não tivesse uma preocupação no mundo!
- E aí? - perguntou Drake, subitamente interessado no assunto. Darsh e Thudar, por sua vez, pareciam não se importar muito e se sentaram de novo, dando atenção à comida.
- Eu a segui - continuou Tom - até o Distrito dos Templos. Num beco com muitas casas juntas, ela subiu no muro de pedra de uma igreja grandalhona, parecia estar abandonada... acho que ela é uma ladra de rua, e lá é seu esconderijo! Podemos ir lá e... - fez um gesto violento com as mãos - ...pegar o chapéu de volta! E o ouro que ela roubou de Oc!
Sven e Drake tinham os olhos brilhando. Ambos estavam com fome de aventura após aqueles dias de esforço repetitivo.
- O que estamos esperando, então? - disse Drake.
- Vou pegar minha armadura - sorriu Sven, com um sorriso desdentado e sinistro.
No entanto, o velho xamã nunca diria que o trabalho era desperdiçado. Em primeira instância pela própria atividade: ao ler e escrever registros, Tom estava aprendendo muito sobre a magia arcana e os efeitos que causava. Cajados que permitiam controlar a forma da terra, varinhas que disparavam raios da morte, incensórios que conjuravam monstros quando abastecidos... eram tantas maravilhas diferentes que o xamã passou a ter certeza que Boobeedabeetz era a pessoa mais poderosa de Morhstarr, fazendo com com que o respeito pelo mercador crescesse ainda mais. Além disso tudo, no fim do expediente, o extra-planar o deixava fazer perguntas sobre os planos exteriores e as respondia de forma ampla, contando de suas aventuras e viagem fora do Plano Material, às vezes de forma extremamente técnica e teórica (ressaltando pontos geográficos específicos dos outros planos) e às vezes de forma romantizada e aventuresca, como da vez em que ele fugira por um triz do palácio de um gênio do fogo extremamente mau-humorado e seu exército de salamandras guerreiras.
No sexto e penúltimo dia da semana, entretanto, aconteceu algo que quebraria a recente e tênue rotina estabelecida na casa.
Era noite. Sven, Thudar e Darsh comiam um assado de cordeiro regado à cerveja escura, enquanto Aleena terminava suas tarefas diárias. Drake e Oc estavam no quintal, onde o garmuni tentava ensinar o grumete a atirar com o arco curto.
- Não, não, assim não. Tem que deixar seu antebraço totalmente reto, perpendicular, assim. Pronto. Agora puxe - mais, moleque, puxe mais! Força! Assim está bom: solte! Isso! Belo tiro! Se fosse um inimigo, teria entrado nos meio dos olhos!
Oc deu um sorriso tímido, que logo se desmanchou. O rapaz olhou para baixo, encarando os pés de Drake, que não entendeu a reação.
- Que foi, moleque? Foi um bom tiro. Você ainda demora muito para puxar e mirar, mas isso vem com a prática.
- E-eu... bom, mestre, eu...
- Que foi? Quer me dizer algo?
Octavius corou furiosamente, o que Drake percebeu na escuridão graças a sua visão aguçada de tiefling, mantida mesmo sobre o encantamento de disfarce. Drake endureceu sua postura.
- Octavius. Tem algo errado? Você fez algo errado? - o menino nada respondia, balançando a cabeça em negativa - Algo a ver com o barco?
- Não é nada, mestre Drake, eu só... estou cansado. E com fome. Está escuro, podemos entrar?
Drake olhou para o céu. Sua visão aprimorada fizera com que se distraísse da passagem do tempo. Ainda estava desconfiado do comportamento anormal do rapaz, mas decidiu pegar leve.
- Vamos, então.
Entraram na cozinha e se sentaram, ao mesmo tempo que Aleena ia ter com Xhu Sie.
- Acabei de trocar os cobertores e alimentar as lareiras, mestra. Precisa de mim para mais algo?
- Um pouco de chá de jasmim, por favor.
- Sim, Aleena! - gritou Darsh, tirando os olhos do livro aberto em cima da mesa de jantar - Chá seria ótimo.
A moça fuzilou o feiticeiro com o olhar enquanto ia para a cozinha e colocava o bule de ferro sobre o fogo. Aleena nunca aprendera a arte de cozinhar, e tinha dificuldade nas tarefas mais simples na cozinha: o resultado de seu chá foi desastroso. Thudar, educadamente posou a xícara após o primeiro gole, tentando não fazer careta; Darsh foi o completo oposto, botando a língua para fora. Xhu Sie, entretanto, esvaziou a caneca e anunciou serenamente:
- O chá amargo é como a vida de um pescador.
Todos olharam para ela, esperando uma explicação, mas ela não disse mais nada. Darsh completou, sussurrando para Drake:
- Como a vida de um pescador, sim. Uma bosta e com risco de afogamento.
O tiefling engasgou-se com o chá e cuspiu o líquido pra todo lado, tentando conter as risadas. Aleena ficara vermelha e saiu da cozinha pisando duro.
O clima foi quebrado, entretanto, quando ouviram a porta de entrada da casa se abrir com um estrondo. Passadas rápidas se fizeram ouvir e Tom irrompeu na cozinha, suado e esbaforido:
- Vocês! Vamos, rápido! Precisamos ir para o Distrito do Templo agora!
Todos pularam das cadeiras, alarmados.
- O que foi, homem? O que aconteceu? - inquiriu Darsh.
- Algo na nossa obra? - perguntou Sven, preocupado.
- Não, não! Eu a vi! A maldita!
- Que maldita?
- A mulher que roubou o chapéu do rapaz e prendeu aos postes no porto! Estive a procurando nas ruas todos esses dias, mas ninguém sabia dela... e então, depois do meu turno na loja eu a vi, simplesmente, andando por aí como se não tivesse uma preocupação no mundo!
- E aí? - perguntou Drake, subitamente interessado no assunto. Darsh e Thudar, por sua vez, pareciam não se importar muito e se sentaram de novo, dando atenção à comida.
- Eu a segui - continuou Tom - até o Distrito dos Templos. Num beco com muitas casas juntas, ela subiu no muro de pedra de uma igreja grandalhona, parecia estar abandonada... acho que ela é uma ladra de rua, e lá é seu esconderijo! Podemos ir lá e... - fez um gesto violento com as mãos - ...pegar o chapéu de volta! E o ouro que ela roubou de Oc!
Sven e Drake tinham os olhos brilhando. Ambos estavam com fome de aventura após aqueles dias de esforço repetitivo.
- O que estamos esperando, então? - disse Drake.
- Vou pegar minha armadura - sorriu Sven, com um sorriso desdentado e sinistro.
O Mestre
"O chá está amargo como a vida de um pescador". ÈPICO
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