segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Interlúdio - Os Tieflings

   Drake sentou-se à mesa. Boobeedabeetz serviu chá para ambos (sua caneca era do tamanho de um balde comum).
   - Quanto essa informação vai me custar? - indagou Drake.
   - Deixe-me ver... vou contá-lo tudo o que eu sei, e aviso-lhe, não sou especialista... e vou permitir que me peça detalhes livremente, então... sessenta Coroas.
   Drake fez uma careta. Abriu sua bolsa, tristemente magra, e contou as moedas no valor requisitado. Empilhou-as sobre a mesa.
   Boobeedabeetz fez um sinal de aprovação, pigarreou e começou a falar.
   - Tudo começa a muito, muito tempo atrás. Antes do surgimento de Garmun, antes dos homens deixarem de ser tribos esparsas pela terra, antes das Guerras Dracônicas. Eras em que nem mesmo elfos e anões tinham chegado ao Plano Material.
   "Nesse tempo, um grande mal se fez presente neste plano. Seu objetivo era governar esse mundo de forma tirânica, dominando todas as fracas criaturas que aqui se encontravam. Os habitantes deste plano ainda não dominavam as artes arcanas, e mesmo a influência dos deuses era pouca naquele tempo. Graças a essa entidade, no entanto, um canal foi criado no Mar Astral, tornando o acesso ao Plano Material muito mais fácil que jamais fora. E então, logo após a sua chegada, vieram aqueles que sempre seguem as grandes calamidades: os habitantes dos Planos Inferiores. Seres de grande maldade e fome, adoradores dos desejos e pecados, agentes da corrupção e da desgraça. Embora venham de muitas origens e possuam muitas formas, os homens costumam chamá-los de Diabos e Demônios."
   Krake ouvia atentamente, pendurando-se em cada palavra. Boobeedabeetz tomou um gole de chá e continuou, em sua voz grave e tranquila.
   "Embora os homens não sejam necessariamente cruéis em sua natureza, uma coisa que não se pode subestimar é sua ambição. Não sei como surgiu o primeiro pacto entre homens e Inferiores, mas posso imaginar. Um caçador que desejava conquistar a donzela mais bela de sua aldeia. Um senhor-da-guerra que buscava subjugar seus inimigos. Um velho que buscava o vigor da juventude... todas possíveis, todas prováveis."

Fonte: www.goodwp.com


   "Os Inferiores buscam duas coisas: almas e o poder pra obter mais almas. Os acordos que firmaram com os homens os permitiam que eles coletassem almas mortais, mas sua presença no Plano Material era limitada e exaustiva. Por isso, precisavam criar agentes que possuíssem seus ideais macabros mas que pertencessem a este Plano, de forma a agir livremente. Foi assim que começaram a oferecer aos mortais contratos diferentes: em vez de negociarem almas, requisitavam sua descendência, corrompendo crianças humanas com seu sangue negro ou mesmo inseminando mães humanas com sua semente maligna. Assim surgiram os primeiros Tieflings, não totalmente humanos, seres tocados pelos Planos Inferiores."
   "Os primeiros tieflings a surgir no universo eram descendentes diretos dos lordes demoníacos e diabólicos, e, por isso, carregavam sua vontade e faziam seus desejos. Destronavam monarcas, conquistavam terras, estabeleciam cultos... eram influentes e poderosos, e muito temidos. Um grande império governado por tieflings existiu, há eras, neste mundo. Chamava-se Tehomma, mas pouco se sabe sobre ele. A única informação que resta é que um casal de heróis, um paladino de Heironeous e uma clériga de Pelor, derrotaram o Imperador de Tehomma e o império ruiu."
   "Os tielfings se tornaram cada vez mais raros, desde então. Grande parte deles são descendentes desses primeiros, e não mais formados a partir de pactos - embora isso não seja impossível. Como você bem sabe, são uma raça temida e odiada por causa de sua descendência. A história moderna fala sobre poucos tieflings famosos: Lanno, o Trapaceiro; Gulgura, o Sanguinário; Darbus, o Redentor...
   - Não são títulos muito agradáveis - comentou Drake, amargamente.
   - É verdade, não são.
   - Deixe-me perguntar, mercador. Obviamente que sempre se relaciona tielfings à maldade, à crueldade, à sanguinolência... mas isso é uma verdade ou apenas fruto das histórias que se contam acerca de... acerca de meu povo? - disse a última parte com dificuldade.
   - Se me permite, posso eu fazer uma pergunta antes? Uma pergunta pessoal, quero dizer?
   - Claro...
   - Você conheceu os seus pais? Ou pelo menos aquele com sangue tiefling?
   Drake engoliu em seco.
   - Conheci ambos os meus pais. Nenhum deles era tiefling, ou pelo menos não aparentava. Eles morreram quando eu era jovem.
   - Hmm. E você tem razão para se relacionar com o outro tipo de concepção que eu falei?
   Drake encarou o extra-planar em silêncio. Por fim, disse:
   - Talvez.
   - Então ouça, amigo, com cuidado. Até onde sei, tieflings não sentem nenhum tipo de compulsão por cometer atos de maldade de qualquer tipo. Conheci vários tieflings em minha longa vida; alguns eram representantes típicos do estereótipo, mas outros eram sujeitos decentes e respeitáveis. Tive até mesmo um bom amigo tiefling em meu mundo natal, há vários anos. No entanto, se você tem uma relação sanguínea direta com uma entidade Inferior... recomendo-lhe que estude sua ascendência com cuidado, pois o seu caso pode ser mais delicado do que o da maioria.
   - E como posso estudar ou saber mais sobre isso?
   - Busque conversar com clérigos. Muitos deles estudam a cosmologia dos Planos Inferiores, e sabem muito mais do que eu sobre isso. Por outro lado...
   Boobeedabeetz pareceu perder-se em seus pensamentos, por alguns instantes
   - Sim? - inquiriu Drake, impaciente.
   - Espere alguns instantes, vou buscar algo no andar superior.
   O mercador levantou-se de seu cadeirão e saiu do aposento por uma porta estreita. Drake tamborilou na mesa com os dedos compridos, cantarolando algo nervosamente enquanto esperava. Tentou mordiscar um figo, mas não estava com fome.
   Depois do que pareceram vários minutos, Boobeedabeetz retornou, carregando consigo uma pequena arca nas mãos. Colocou o objeto em cima da mesa: era feita de madeira escura e possuía nada menos do que sete fechaduras de prata trancando-a. O ser azulado tateou os bolsos e retirou de lá um molho contendo sete chaves, e pôs-se a destrancar as fechaduras. De seu interior, retirou um livro empoeirado.
   - Vou deixar isto com você. Pode ajudá-lo a se entender melhor.  No entanto, aviso-lhe: é uma obra incrivelmente perturbadora. Não recomendo que a mostre para ninguém. Nem que deixe que saibam que você a possui.
   Drake examinou o livro. A capa era amarelada e tinha um consistência terrivelmente similar à pele humana. Na sua frente, estranhas runas vermelhas (similares às que lera na porta da loja) diziam: "O Código do Inferno".
   - Senhor mercador, o quanto devo pagar-lhe por isso? É certo que isso vale muito mais do que as sessenta Coroas que lhe paguei.
   - Não me deve nada. Para falar a verdade, fico um tanto aliviado por me livrar dessa obra. É um tanto constrangedor que eu ainda a possua. Só gostaria de chamar sua atenção, novamente: cuidado com este livro e com seu conteúdo.
   Drake levantou-se e inseriu o livro, com cuidado, na bolsa encantada que adquirira. O livro sumiu em seu interior, e a bolsa não mudou de forma, ainda parecendo vazia. Boobeedabeetz balançou a cabeça em aprovação.
   O ladino agradeceu mais uma vez e saiu da loja. Sentiu como se carregasse um peso em seu peito, e não só devido ao livro que levava...

O Mestre

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